Cultura de malucx

Rafel Lage é pesquisador autônomo de movimentos contraculturais no Brasil. Diretor do documentário ‘Malucos de Estrada’, Rafael – um ‘maluco’ ele mesmo – transmite nesta entrevista, algo do espírito e do imaginário comum a muitas destas pessoas que habitam espaços públicos.

Para o que nos interessa, vale destacar que estes ‘viajeros’ de que fala Rafael – também acrobatas, palhaços, mímicos, músicos, e malabaristas além de artesãos – estão entre estas pessoas que espontaneamente ‘surgem’ em espaços como ocupações (squats). Ao propor o reconhecimento da riqueza e das singularidades deste movimento, o Espaço Incerto pretende assegurar a abertura de canais para que ele se desenvolva mais plenamente, como uma espécie de veículo para a ‘desescolarização’ da sociedade. Não se trata com isso de propôr a instrumentalização do movimento, mas antes de reconhecê-lo mais propriamente a partir de suas próprias potencialidades, como uma espécie de circo-escola descentralizada, muito próximo do que propõe a ‘Pedagogia Profana’ de Jorge Larrosa. A proposta do projeto Brota de desenvolver espaços abertos e ocupações com foco sobre coisas como agroecologia e soberania alimentar, teria em vista, como “público-alvo”, não apenas o movimento de luta por moradia, principais beneficiários no caso das ocupações, mas também  estas pessoas que seriam então assumidas como arte-educadoras. Vale considerar em relação à proposta, a experiência de coletivos como o da Ouvidor 63 (SP), El Quinto (PR), ou o trabalho que o coletivo da ex-Kuna Libertária vem realizando na ocupação Saraí, em Porto Alegre (RS).

Fragmentos – Direcionamentos

Sei que existe uma proposta de lei encaminhada já há algum tempo que comprova a viabilidade do projeto de extinção da polícia militar. Sinceramente, acho desejável, necessário até, mas não penso que este seja o único modo possível de encaminhar a questão. Me parece mais interessante investir em um projeto de ‘desescolarização’ mais amplo da sociedade como um todo. De que forma? Contaminando as cidades “com ideias de arte” a partir de espaços como OCUPAÇÕES (mais ou menos como faz Chapolim, a certa altura deste vídeo: https://www.youtube.com/watch?v=_ahMaiRodNw). Insistir em noções como horizontalidade, auto-gestão e descentralização a partir destes espaços é de certa forma encorajar um levante; alguma dúvida de que é preciso?

Se é verdade que o regime estético, como propõe Jacques Rancière, “identifica a arte no singular e desobriga essa arte de toda e qualquer regra específica, de toda hierarquia de temas, gêneros e artes”,  temos de fato, como propõe o pensador, uma ‘Revolução’ a considerar. Pois se então pensamos mais na possibilidade de manifestação de diferenças do que no estabelecimento de hierarquias, temos aí uma ideia da medida em que toda nossa estética precisa ser reinventada.

Embora a ideia de que talvez nunca tenhamos sido modernos esteja mais em voga (considerando aqui a força do pensamento de Bruno Latour na metafísica canibal de Viveiros de Castro), acredito ser útil lembrar o que vinha propondo Andreas Huyssen, em meados dos anos 80, quando a pós-modernidade não era ainda um conceito tão universalmente desprezado.  Ele dizia que “[a]s fronteiras entre arte erudita (high art) e cultura de massa tornaram-se cada vez mais difusas, e nós deveríamos começar a ver esse processo como uma oportunidade ao invés de lamentar perda de qualidade e falta de ousadia”. (…)

“Por já algum tempo, artistas e escritores tem vivido e trabalhado depois da Grande Divisão. É tempo de os críticos entenderem”.

Ora, em nosso caso, questionar hierarquias em termos culturais faz ver de imediato a força de coisas como o xamanismo, por exemplo. As consequências são irrecusáveis. É a razão pela qual eu mesmo venho me apropriando do termo ‘tecnoxamanismo’, reconhecendo por aí um caminho possível para um amplo processo de (re-des)organização política (considere a potência de uma aproximação possível entre as pesquisas de Beatriz Labate, Fabiane Borges, e Laymert Garcia, por exemplo, o que é preciso para esta aproximação ocorrer? Resposta: apoio ao desenvolvimento de pesquisas autônomas coletivas; condições econômicas menos miseráveis).

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A proposta em curso está relacionada ao desenvolvimento de espaços desenvolvidos com atenção a princípios libertários, preferencialmente em zonas periféricas – espaços autogeridos por pessoas que atuam à margem da cultura oficial, como são por exemplo os agentes da luta por moradia, em ocupações, e os próprios povos indígenas. Um exemplo é a Casa da Formiga Preta, localizada no Complexo do Alemão, no Rio de Janeiro. Assumir mais propriamente um vínculo possível com a instituição arte tem nesse sentido o intuito de contribuir com processos de empoderamento, propiciando condições materiais que permitam que tipos geralmente oprimidxs tenham suas vozes mais propriamente ouvidas. Trata-se, para pôr de outro modo, de tornar mais evidente pela arte o fato de que não é preciso se conformar: o desejável é transformar; criar.

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Dentre todos os posts inacreditáveis que às vezes vejo algumas pessoas postando em redes sociais, recentemente um me deixou particularmente perplexo. Para resumir, mulheres assumidamente conservadoras diziam em tom de clara nostalgia sentir falta do “homem tradicional”. Me pergunto a que exatamente se referiam. Que querem dizer as mulheres (e também alguns homens) quando desejam o ‘homem tradicional’? Se considerarmos o que vem se pensando no campo da estética, o que quer q haja de apreciável numa direção qualquer, é espírito; é infinito; isto é, qualquer coisa que está além do que pretende designar uma identificação de gênero. Quer dizer, a capacidade de apreciação do outro não se esgota àquilo que uma atribuição pretende compreender, e por mais satisfeita que alguém possa estar com convenções sociais pré-estabelecidas, é preciso reconhecer que o conceito tradicional de “homem” por tudo o que encerra é problemático. Em nosso contexto histórico, ele revela uma ocultação terrível. Particularmente por tudo de abominável e repressor que uma cultura patriarcal representa.  É possivelmente a isso que se refere o anarcofunk em “racha-macho”, ou ainda Pagu Funk com o refrão “vou cortar a sua pica”.

Não levemos a ameaça tão a sério. O ponto é que ela não é sem sentido. A “pica” não é assumida nesse caso como uma diferença a ser suprimida no outro simplesmente, o que configuraria provavelmente um discurso de natureza fascista, mas sim como algo que se usa frequentemente para oprimir, de modo então que a ameaça é mais propriamente um gesto de auto-defesa.

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Minha posição em relação à ideia de vanguarda talvez possa ser considerada contraditória. Por um lado, entendo que não há qualquer sentido em procurar afirmar uma vanguarda quando o que se valoriza é descentralização,  singularidade e diferença – a imagem de um grupo à frente de uma maioria, abrindo caminho, me parece no mínimo suspeita. Por outro lado, percebo que há diversas formas de ocupar este lugar, pois a expectativa comum, pela ideia que a maior parte das pessoas possui da arte, a estabelece, de qualquer modo, junto à classe de artistas mais ou menos reconhecida como tal, quase como um mito. É preciso reconhecer, pois as pessoas que estão inclinadas à discussão deste tipo de coisas constituem de qualquer forma uma elite. Se vamos assim então ocupar este lugar, ainda que pelo mero fato de que estamos estudando arte e falando de arte, é importante que nos apropriemos do termo com alguma inteligência. Se seremos então a vanguarda, de que tipo seremos? Eu estou aqui, lendo sobre xamanismo e ouvindo anarcofunk;  estou a meu modo ouvindo vozes que não costumam ser escutadas, e acreditando que nessa direção realmente muita coisa poder ser feita. Nesse direção, algumas pessoas tem produzido coisas que merecem ser notadas, e é importante que sejam, pelo que podemos considerar desejável no andamento da história.

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Eu acho que tudo quanto é ‘burguês’ tinha que ir pra favela, e não só pra comprar maconha ou outra substância ilícita (a primeira razão pela qual a nossa política a este respeito precisa ser outra); tinha que ter coragem de levar o corpo (que afinal foi de um modo ou de outro dependente de uma estrutura social racista e segregadora para se desenvolver) até este espaço; teria que ter menos razão para medo nesta circunstância; para isso teria que ter mais disposição para dividir seu conhecimento, e (pq não?) suas propriedades. É sobretudo o medo que está na base do conservadorismo que a bancada do Boi, da bala e da Bíblia representam: não tanto o medo dx outrx, quanto o medo da perda dos bens que são obtidos em prejuízo do outro. Bens que mesmo se obtidos de forma absolutamente questionáveis do ponto de vista da ética, acreditam ser preciso resguardar. Em campo mais propriamente democrático, veríamos que a economia de forças relacionada ao exercício da política demanda o estabelecimento de trocas mais justas. Isto é algo que nosso modelo de democracia representativa não permite admitir. Por isso é importante reconhecer mais propriamente o anarquismo e sua significação espiritual, pois aí temos mais consciência dos afetos em nossas relações. Somente assim podemos considerá-lo propriamente: o anarquismo, bem compreendido, é desejável, pois noções como a de apoio -mútuo e simbiose dispensam o medo, basicamente. E não ter medo, de acordo com Nina Simone, é a própria liberdade!

Percebe-se como, no âmbito de nossas relações sociais, o princípio da violência está na desproporção das forças, isto é, na desigualdade e no autoritarismo naturalizado pela ordem imposta, já na composição do espaço, especialmente por interesses econômicos e políticos.

O anarquismo ou o socialismo libertário é importante, nesse sentido, não apenas pela contundência da recusa em relação a este estado de coisas, mas principalmente pelas alternativas que nessa direção se desenham.

Em meus estudos de filosofia, um dos livros mais belos que eu já tive a oportunidade de ler foi um livro quase religioso chamado ‘o Gênio Romântico’, de autoria de Márcio Suzuki. É um livro difícil, mas uma construção belíssima. Através dele eu quis propor o lugar da filosofia na história da arte, como obra de arte. Meu trabalho não foi bem propriamente compreendido na academia; eu mesmo, muito mais concentrado na fundamentação de um processo, não me preocupei em apresentar qualquer coisa de acabado, e na época não o compreendi muito bem. Foi algo como um bloco mais ou menos caótico de sentido. Hoje reconheço com mais clareza que aquela pesquisa, apresentada na época como processo – “work in progress”-, me levou de encontro com o pensamento anarquista, com o qual até então flertava com maiores reservas, e com o que poderíamos considerar suas implicações “metafísicas”.

A razão pela qual o conservadorismo, e com ela a direita, me parece desprezível (não encontro agora melhor palavra, me desculpem) é o fato de desejar manter um estado de coisas por medo de perdê-las. As pessoas se apegam a suas propriedades, por exemplo, pq há muita coisa boa certamente vinculada a elas. Isso é compreensível. A questão está em reconhecer justamente que o valor que as coisas podem possuir para nós é, sobretudo, de ordem afetiva; não propriamente material. É assim muito mais na relação afetiva do que na posse sobre as coisas que devemos nos concentrar.

A história da arte e a estética atuam muito detidamente sobre este ponto, particularmente quando ela nos orienta em direção à noções como as de desmaterialização, efemeridade e performance. Por isso é interessante reconhecer mais propriamente a potência transformadora da arte.

Mesmo Burke, pilar do pensamento conservador, não era cego à arte – o que é possivelmente uma razão para nos alegrar.

O mais difícil, talvez, de admitir o anarquismo como um nome que mereça ser mais propriamente considerado, é o que nos é proposto acerca de coisas como propriedade e família nesta direção. É preciso, por isso, compreender muito melhor e com muito mais tempo, essas coisas. É preciso estabelecer os meios favoráveis para conceber mais propriamente estas ideias, que afinal, se referem a práticas possíveis.

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Se a gente se sente agredido é que nos colocamos na posição do outro em relação ao lugar onde se produz o enunciado. É preciso ouvir o que está sendo dito; por mais difícil que às vezes possa ser, é preciso considerar o discurso “nosso”. É preciso temer menos falar dessas coisas. É preciso poder ser mais livre!

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O intelectual público, o artista, é sempre um pouco como o maestro. Alguém que por uma espécie de sensibilidade muito apurada como que antecipa o movimento do Espírito e orienta a experiência do tempo.

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É difícil saber o que pronunciar em certos casos. Alguém vai dizer que é melhor não falar nada, mas é melhor não falar nada? É inacreditável. Ontem passei um tempo lendo comentários nas páginas de militares no facebook; pessoas, em sua maioria religiosas, endossando o coro do “bandido bom é bandido morto”; parabenizando em nome de Deus (!) a ação destes “guerreiros” que defendem “cidadãos de bem”, como se fossem anjos. “Pessoas de bem” são os burgueses conformados? os trabalhadores domesticados? Quem são os cidadãos “do mal”? todos estes decerto que veladamente, segundo a hipocrisia comum, “merecem” a violência…não podemos nos calar; são estas pessoas também que precisam se desescolarizar.

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Mais ou menos como sugeria Herman Hesse, em Demian, precisamos de Abraxas; de um Deus que seja ao mesmo tempo deus e demônio; de um Deus que seja, sobretudo, nós mesmxs. Precisamos recompor nossos ritos em relação a esse Deus.

Esboço de tese sobre a absoluta imanência de deus como uma possível consequência lógica da chamada Revolução Estética em sete pontos

Esboço de tese_

Estética da violência e ética da liberdade: do amor à guerra e da guerra à arte

Estética_da_violência_e_ética_da_liberdade_Do_amor_à_guerra_e_da_guerra_à_arte_pdf

A Educação Proibida

https://www.youtube.com/watch?v=-t60Gc00Bt8

 

SOBRE ARTE, TRADIÇÃO E PIXAÇÃO

Sobre_arte_tradição_e_pixação (link)

Este texto foi produzido originalmente como um trabalho acadêmico, em 2010, e foi posteriormente retomado, em 2011. Ele traz alguns apontamentos sobre a aproximação entre o campo tradicional da arte e a pixação, com enfoque sobre o modo como as coisas  se deram na vigésima nona Bienal de Artes de São Paulo, ocorrida em 2010. É um trabalho que considero importante para entender o percurso que me leva ao projeto que venho desenvolvendo neste blog…

Gloria Anzaldúa

Queer(izar) a escritora_Gloria Anzaldua

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Casa da Lagartixa Preta “Malagueña Salerosa”: 10 Anos de Experiências Anarquistas

A arte e a construção do desejo:

“Da minha parte, insisti no fato de que a emancipação era exatamente uma conversão do corpo e do pensamento que começava por uma leve subversão das atitudes ordinárias”. 

Jacques Rancière

 

O projeto Brota compreende que tanto a força do conservadorismo quanto a desorganização da esquerda em nossa época devem-se não apenas ao conforto que o sistema capitalista, com todas as suas contradições, é, em termos ao menos, capaz de propiciar, mas também à naturalização de certo entendimento de política inteiramente associado ao Estado e a um modelo de governo representativo. A dificuldade de engajar-se em processos que possibilitam o desenvolvimento de alternativas reais explicar-se-ia, nesse sentido, por uma geralmente incômoda necessidade de deslocamento dos lugares-comuns aos quais tantxs de nós encontram-se enraizadxs por hábitos e crenças mais ou menos conscientes.

Pretendendo funcionar como uma contra-engrenagem, o projeto Brota defende ser necessário investir em processos de desmecanização, desautomatização e descondiconamento do corpo e do pensamento. Em tempos de crise generalizada, o Brota compreende que a crítica é uma realização importante, mas insuficiente. Pois para que ela não conduza ao tédio do pensamento niilista mais negativista – altamente medicalizado em nossa época -, ou às armadilhas do ceticismo que geralmente traduz, com maiores ou menores oposições, a miséria do pensamento conservador, é urgente não apenas trabalhar na desconstrução das fantasias e ficções mais tradicionais, como aquelas que ligam o pensamento cristão ao monismo estatista e ao capitalismo global, mas especialmente na produção de novas fantasias e ficções, de tipo que possibilitem expressões de vida mais singulares e plenas.

Pois se tratamos da arte em termos de “experiência de suspensão de opostos”, e se então consideramos a oposição central entre imanência e transcendência a ser superada, temos aí – particularmente com a recusa radical de modos hierárquicos de organização social, com a desescolarização, com a possibilidade de um pluralismo jurídico, com concepções de família mais amplas, com maior biodiversidade e contato com a terra e com as plantas (inclusive, com as “de poder”) – indicações da direção em que caminhamos para esta nova construção.

O que é o projeto Brota?

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“…não basta dizer ‘a instituição é útil’, ainda é preciso indagar: a quem é útil? “
Gilles Deleuze

Sítio Alice_PoçoBranco_RN

Uma proposta de uso e apropriação da instituição ARTE:

O projeto Brota é uma iniciativa que procura ativar uma rede de colaboradores – estudantes e trabalhadorxs das mais diversas áreas do conhecimento – em torno da proposta de desenvolvimento de espaços abertos que favoreçam processos de organização política e experimentação social; espaços então considerados “heterotopias libertárias” – “espécies de utopias realizáveis”, como propõe Foucault.

GeoCasa São Remo _São Paulo_SP

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OCUPAÇÕES DE ARTE E MORADIA;
ESPAÇOS AUTÔNOMOS;
ESTAÇÕES AGROECOLÓGICAS E PERMACULTURAIS…

Como funciona? como são estes espaços?

Os espaços que interessam ao projeto Brota estão situados, de modo mais ou menos crítico, à margem do modelo de desenvolvimento capitalista tradicional, e identificam a autonomia como um elemento necessário para o estabelecimento de uma cultura mais livre e diversa. São espaços muito singulares, desenvolvidos em sua maioria a partir de princípios como autogestão, horizontalidade e apoio-mútuo. O Projeto Brota é fruto da percepção de que estes princípios favorecem a desconstrução das formas habituais como se estabelecem as relações sociais em nossa época; vale considerar que a proposta de autogestão, por exemplo, frequentemente exige o desenvolvimento de organizações coletivas e comunitárias.

Muitos destes ‘espaços abertos’ são moradias e ao mesmo tempo, ao menos potencialmente, espaços culturais; espaços que nos casos mais desenvolvidos funcionam como residências artísticas e ateliês compartilhados, possibilitando intensas experiências de troca e intercâmbio. São espaços que permitem formações sociais, familiares e afetivas mais amplas e diversas do que propõe o modelo tradicional em nossa época; muitos deles chegam a criar suas próprias políticas internas de gestão e segurança.

São de interesse particular ao projeto Brota os espaços cultivam hortas e operam trabalhos de resgate de conhecimentos ancestrais que envolvem desde o uso de plantas medicinais, até o tratamento do corpo e de seus resíduos. O projeto Brota incentiva, nesse sentido, estudos e práticas de etnobotânica, agroecologia, permacultura, agricultura biodinâmica etc.

Cabe ainda considerar a realização de experimentos relativos a temas diversos nestes espaços, tais como economia (economia da dádiva, bancos comunitários e moedas alternativas); gastronomia (recicles, alimentação viva, vegana, culinária de raiz); arquitetura (bioconstrução) e mesmo sexualidade (considerando a presença relativamente frequente nestes espaços de temas como amor livre, não-binarismo e pós-pornografia), etc.

Multiespaço casa MOBA (datrajetoriamoba.com)

Com o objetivo geral de alimentar o que compreende ser a potência de transformação destes espaços, o projeto Brota procura propiciar condições que permitam que a inteligência e a força de um maior número de pessoas se concentre no desenvolvimento e na ativação destas iniciativas. Articulando a teoria institucional à questões de estética e história da arte, o projeto Brota propõe, para isso, fazer uso da instituição arte (mais ou menos como propõe Charles Esche neste texto: https://www.publico.pt/culturaipsilon/noticia/instrumentalizar-a-arte-sim-diz-charles-esche-vivemos-tempos-assustadores-precisamos-de-conceitos-assustadores-1680141). Assim, ele pretende aproximar pólos que possibilitem a realização de uma “revolução estética” mais propriamente democrática, permitindo que pessoas advindas de diferentes campos concentrem técnica, tecnologia, saberes – poderes, como ensina Foucault – na direção do desenvolvimento destes espaços. O projeto Brota surge assim como um convite para trabalhar conjuntamente na produção de um universo estético e simbólico que compreenda mais plenamente o corpo e o imaginário de nossa época em suas formas mais singulares.

O projeto Brota é um trabalho de longo prazo. Sua realização envolve mapeamento e visitação de espaços; acompanhamento de dinâmicas de autogestão; elaboração de diagnósticos que permitam o reconhecimento de eventuais limitações e\ou faltas; facilitação de deslocamentos e encontros que possibilitem a realização de experimentos envolvendo comunidades locais; promoção de ciclos de estudos e eventos; produção e distribuição de materiais gráficos e audiovisuais para organização interna e para o estabelecimento de diálogos com a comunidade local; e finalmente, aquisição de materiais necessários para o desenvolvimento estrutural dos espaços que se ligam à rede, como livros, sementes, placas de energia solar, sacos de polipropileno, computadores, modens, equipamentos eletrônicos, meios de transporte etc.

El Quinto_Curitiba_PR

O Brota pretende dar origem a uma publicação regular – um material informativo de experimentação crítica, e estudos em arte contemporânea, desescolarização, nomadismo, pós-anarquismo etc.
Toda forma de contribuição é bem vinda.
Saiba mais: bruxa@riseup.net

Formiga Preta_RJ

                                 Recicle; Casa da Bruxa e Bandejão, Unirio_RJ.

*O projeto Brota é uma iniciativa livremente associada à Universidade Nômade. A Universidade Nômade é uma rede de movimentos e um “estilo de militância, baseado nos conceitos de multidãoenxameêxodo e produção do comum, que se organiza e nomadiza de modo autônomo, independentemente de um centro orgânico, uma ‘sede’ ou qualquer tipo de organização rígida de princípios, membros ou diretivas”: http://uninomade.net/