Estes escritos são frutos de certa urgência em falar com as pessoas sobre arte; particularmente, à princípio, com as pessoas que se reconhecem como pertencentes ao “campo da arte”, como que para lembrar o que pode significar falar de artistas como xamãs[1], e para então pedir que se considere possibilidades de uso mais ou menos organizado da instituição “arte” para operar processos de transformação mais amplos entre nós.
O Projeto Brota aqui apresentado procura acentuar a aproximação, já relativamente conhecida, entre o pensamento crítico que constitui o campo da arte e a tradição do pensamento libertário. Entre as inúmeras referências que servem de algum modo à sua elaboração, cabe destacar a produção de artistas que tornam de algum modo público o processo de pesquisa envolvido no desenvolvimento de seus trabalhos. Artistas que propõem espécies de zonas de troca, como Lee Lozano, com suas Dialogue Pieces (1969), Joseph Beuys, com suas aulas abertas (início dos anos 70), ou mais recentemente, Vitor Cesar e Graziela Kunsch, com propostas como BASE Móvel e Não há nada para ver, ambas apresentadas na exposição Campo Neutral, exibida em Curitiba, no ano de 2013[2]. Campo Neutral contou também com registros de uma outra exposição/referência intitulada “Formas de pensar”, ocorrida em 2004 em Buenos Aires.
Estes escritos podem assim ser compreendidos como parte de um primeiro esforço no sentido de estabelecer uma dessas zonas de troca/compartilhamento. Eles devem servir como instrumentos para o estabelecimento de alianças, vínculos, parcerias políticas e afetivas, sem as quais a configuração de uma rede, bem como o desenvolvimento de uma proposta de trabalho fundamentalmente coletivista, seria impensável. O projeto brota, porém, como se verá, envolve mais do que a produção destes textos/ registros.
[1] No campo da arte, são algumas das referências para esta associação o trabalho de Joseph Beuys, Alejandro Jodorowsky e Fabiane Borges; na antropologia, Pierre Clastres e Eduardo Viveiros de Castro, além do pensamento de indígenas, como Davi Kopenawa, xamã, “porta-voz Yanomami”, e autor da Queda do Céu.
[2] São produções que se inscrevem de diferentes formas em zonas difusas entre a teoria e a prática, ou entre a reflexão filosófica e científica de caráter mais ou menos crítico, e a experimentação poética. A BASE móvel, de Vitor Cesar, por exemplo, consistia em uma plataforma de encontros e estudos que assumia diversas formas dependendo do contexto em que fosse apresentada. Não há nada para ver, de Graziela Kunsch, originalmente realizado em 2007, consistia em uma pequena biblioteca e na mediação de conversas auto-reflexivas, por assim dizer, pela artista. A exposição Campo neutral referida contou com a curadoria de Felipe Prando, e com a participação de artistas e/ou curadores como Ricardo Basbaum, Traplev, Regina Melim, Santiago García Navarro, Martin Grossmann, Jorge Menna Barreto entre outrxs.