“Da minha parte, insisti no fato de que a emancipação era exatamente uma conversão do corpo e do pensamento que começava por uma leve subversão das atitudes ordinárias”.
Jacques Rancière
O projeto Brota compreende que tanto a força do conservadorismo quanto a desorganização da esquerda em nossa época devem-se não apenas ao conforto que o sistema capitalista, com todas as suas contradições, é, em termos ao menos, capaz de propiciar, mas também à naturalização de certo entendimento de política inteiramente associado ao Estado e a um modelo de governo representativo. A dificuldade de engajar-se em processos que possibilitam o desenvolvimento de alternativas reais explicar-se-ia, nesse sentido, por uma geralmente incômoda necessidade de deslocamento dos lugares-comuns aos quais tantxs de nós encontram-se enraizadxs por hábitos e crenças mais ou menos conscientes.
Pretendendo funcionar como uma contra-engrenagem, o projeto Brota defende ser necessário investir em processos de desmecanização, desautomatização e descondiconamento do corpo e do pensamento. Em tempos de crise generalizada, o Brota compreende que a crítica é uma realização importante, mas insuficiente. Pois para que ela não conduza ao tédio do pensamento niilista mais negativista – altamente medicalizado em nossa época -, ou às armadilhas do ceticismo que geralmente traduz, com maiores ou menores oposições, a miséria do pensamento conservador, é urgente não apenas trabalhar na desconstrução das fantasias e ficções mais tradicionais, como aquelas que ligam o pensamento cristão ao monismo estatista e ao capitalismo global, mas especialmente na produção de novas fantasias e ficções, de tipo que possibilitem expressões de vida mais singulares e plenas.
Pois se tratamos da arte em termos de “experiência de suspensão de opostos”, e se então consideramos a oposição central entre imanência e transcendência a ser superada, temos aí – particularmente com a recusa radical de modos hierárquicos de organização social, com a desescolarização, com a possibilidade de um pluralismo jurídico, com concepções de família mais amplas, com maior biodiversidade e contato com a terra e com as plantas (inclusive, com as “de poder”) – indicações da direção em que caminhamos para esta nova construção.